segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Fuga

Decidi largar tudo. Só por hoje.
Peguei meu iPod, o livro que estava lendo e todo o dinheiro que guardei da mesada nos últimos meses. Não sabia exatamente para onde estava indo, mas peguei o primeiro ônibus que ia sair da rodoviária.
Depois de 2 horas dentro do ônibus, cheguei e lá estava o mar!
Tirei meus sapatos e a mochila das costas, andei pela areia e molhei os pés. Tudo parecia tão mais calmo aqui, como se houvesse apenas eu e o oceano no mundo.
Depois de algum tempo, não sei quanto, percebi que havia um rapaz agachado ao meu lado. Usava uma bermuda florida que estava molhada, seus cabelos iam até os ombros e ficavam de um tom mais claro nas pontas como se estivessem queimados pelo sol. Com certeza era um surfista. Ele não pareceu reparar no meu olhar confuso.
- É tão bom observar o mar e sentir os problemas irem embora com o pôr do sol, não é?
Continuei virada para frente e olhei de esguela. Ele parecia tão confortável ali.
- Por que você simplesmente não conversa com eles?
Cada vez que ele falava sua expressão ficava mais carinhosa, suave e angelical. Como poderia ele ser tão diferente de todos e ainda saber o que eu estava pensando? Enruguei a testa.
- Pessoas como você vêm aqui todos os dias. É como mágica, como se fosse um remédio para alma. Elas vêm aqui, respiram o ar salgado, se sentem mais leves e voltam de onde vieram...
Eu queria mesmo desabafar com um estranho?
- Então, o que eles fizeram?
Decidi que sim.
- Eles sempre fazem na verdade.
Ele esperou.
- Meus pais são separados. Eu moro com a minha mãe, ela é enfermeira e trabalha no período noturno. Só a vejo de manhã quando ela chega do trabalho e eu saio pra escola. Meu pai mora na mesma rua que nós, ele é segurança, trabalha o dia inteiro e depois vai direto para o bar. Eu o vejo uma vez por semana.
- Eles não têm tempo para você. - concluiu o surfista.
Afirmei positivamente com a cabeça.
- Desde que eu tenho nove anos participo do grupo de teatro, e com quinze, entrei para o jornal da escola. Eles nunca foram a nenhuma peça minha e nem sequer sabem que tenho uma coluna só para mim. Sempre ouço aquele papo de “ser atriz é para poucos” ou “escrever é para quem tem o dom”. Como eles podem não confiar em mim? Eles me criaram.
- Seus pais só querem o melhor para você!
- Eu sei, mas o melhor para mim é estar no palco. Amanhã é minha ultima peça escolar e a diretora da escola de artes vai me observar. Meu futuro depende disso e eles nem sabem...
- Como assim? Você não os convidou? O medo deles é que você se perca...
- Eu não posso viver numa bolha para sempre. Eu tenho que ser livre!
- Você é livre! Tanto que está aqui, não para tomar uma decisão, mas para decidir como não magoá-los.
Nos olhamos e em seguida miramos o sol. Tanto tempo havia se passado que o céu estava laranja.
Passados alguns segundos, o garoto levantou de súbito.
- Tenho que ir, está ficando tarde.
- Mas...
- Não se preocupe, vai dar tudo certo.
Ele passou a mão no meu cabelo.
Me virei para pegar a mochila, mas ele já não estava lá.
Atordoada, resolvi pegar o ônibus de volta para casa. Dei adeus ao mar e caminhei até a rodoviária.
Cheguei em casa exausta, coloquei “ Girl, They Won’t Believe” na maior altura possível, tomei um banho e envelopei dois convites da semana cultural da escola.
Sem exitar, entrei no quarto da minha mãe e deixei um sobre o travesseiro, fui até a casa do meu pai e empurrei um por baixo da porta.
Voltei para casa, subi as escadas correndo, entrei no pijama, coloquei Bella’s Lullaby no player e dormi. Tinha que descansar, afinal, amanhã era meu grande dia...


Texto: Rhanna Ramos
Revisão: Lene Fernandes
Foto

Um comentário:

  1. Muito bom agora sou seu fã como escritora tb ! Está cada vez melhor ! Continue sempre!

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